quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Identidade x diferença

O direito de ser, sendo diferente, na escola. Páginas 191-194.
Maria Teresa Mantoan. In:Rodrigues, D. Inclusão e educação. Doze olhares sobre a educação inclusiva.

Identidade x diferença


As propostas educacionais que visam à inclusão, habitualmente, se apoiam em dimensões éticas conservadoras. Sustentam-se e expressam pela tolerância e pelo respeito ao outro, sentimentos que precisamos analisar com muito cuidado, para entender o que podem esconder em suas entranhas.

A tolerância, como um sentimento aparentemente generoso, pode marcar certa superioridade de quem o expressa. O respeito, como conceito, implica certo essencialismo, uma generalização, que vem da compreensão de que as diferenças são fixas, definitivamente estabelecidas, de tal modo que só nos resta respeitá-las.

Nessas orientações, entendem-se as deficiências como fixadas no indivíduo, como se fossem marcas indeléveis, as quais só nos cabe aceitar, passivamente, pois nada poderá evoluir, além do previsto no quadro geral de suas especificações estáticas: os níveis de comprometimento, as categorias educacionais, os quocientes de inteligência, as predisposições para o trabalho e outras tantas mais.

Consoante a esses pressupostos é que criamos espaços educacionais protegidos, à parte, restritos a determinadas pessoas, ou seja, aquelas que eufemisticamente denominamos com Necessidades Educacionais Especiais.

A diferença, nesses espaços, é o que o outro é - ele é branco, ele é religioso, ele é deficiente -, como afirma Silva (2000), é o que está sempre no outro, que está separado de nós para ser protegido ou para que nos protejamos dele. Em ambos os casos, somos impedidos de realizar a experiência da diferença e de conhecer a riqueza da diversidade. A identidade é o que se é, como afirma o mesmo autor— eu sou brasileiro, sou negro, sou estudante...

Nossa luta pela inclusão escolar tem uma dimensão ética crítica e transformadora. A posição é oposta à anterior, ao entender que as diferenças estão sendo constantemente feitas e refeitas, pois elas vão diferindo, infinitamente. As diferenças são produzidas e não podem ser naturalizadas, como pensamos habitualmente. Essa produção é sustentada por relações de poder e merece ser compreendida, questionada e não apenas respeitada e tolerada.

Os movimentos em favor da inclusão devem seguir outros caminhos que os propostos por nossas políticas (equivocadas?) de inclusão, pois acreditamos nas ações que contestam as fronteiras entre o regular e o especial, o normal e o deficiente, enfim, os espaços simbólicos das diferentes identidades.

As ações educativas inclusivas que propomos têm como eixos o convívio com as diferenças, a aprendizagem como experiência relacional, participativa, que produz sentido para o aluno, pois contempla a sua subjetividade.

É certo que relações de poder presidem a produção das diferenças na escola, mas conforme uma lógica que não mais se baseia na igualdade, como categoria assegurada por princípios liberais, inventada e decretada, a priori, que trata a realidade escolar com a ilusão da homogeneidade, promovendo e justificando a fragmentação do ensino em disciplinas, modalidades de ensino regular, especial, seriações, classificações, hierarquias de conhecimentos.

Por tudo isso, a inclusão é produto de uma educação plural, democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade dos professores e faz que a identidade do aluno seja ressignificada. O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais.

O direito à diferença nas escolas desconstrói, portanto, o sistema atual de significação escolar excludente, normativo, elitista, com suas medidas e mecanismos de produção da identidade e da diferença.

Se a igualdade é referência, podemos inventar o que quisermos para agrupar e rotular os alunos como deficientes. Se a diferença é tomada como parâmetro, não fixamos mais a igualdade como norma e fazemos cair toda uma hierarquia das igualdades e diferenças que sustentam a "normalização". Esse processo, a normalização, pelo qual a educação especial tem proclamado seu poder, propõe sutilmente, com base em características devidamente selecionadas como positivas, a eleição arbitrária de uma identidade "normal", como um padrão de hierarquização e avaliação de alunos, de pessoas. Contrariar a perspectiva de uma escola que se pauta pela igualdade de oportunidades é fazer a diferença, reconhecê-la e valorizá-la.

Temos, então, de reconhecer as diferentes culturas, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais, afetivas. Nem todas as diferenças necessariamente inferiorizam as pessoas. Há diferenças e há igualdades, e nem tudo deve ser igual nem tudo deve ser diferente. Então, como conclui Santos (1995), é preciso que tenhamos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza.

No desejo de assegurar a homogeneidade nos grupos sociais, nas turmas escolares, destruíram-se muitas diferenças que consideramos valiosas e importantes, hoje, nas salas de aula e para além delas. A identidade fixa, estável, acabada, própria do sujeito cartesiano unificado e racional, também está em crise (Hall, 2000). As identidades naturalizadas dão estabilidade ao mundo social, mas a mistura, a hibridização, a mestiçagem desestabilizam as identidades.

Normalização: violenta imposição de uma suposta identidade única, fictícia daquilo que é pensado como normal (Silva, 1997, Skliar, 2003).

Normalizar: escolher arbitrariamente uma identidade e fazer dela a identidade, a única possível e verdadeira.

Ex.: Norma corporal, da língua, da aprendizagem, da sexualidade, da atenção, etc.

Aristóteles: diferença está na determinação do que as coisas diferem; alteridade não carrega essa determinação; simplesmente há outro ser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário